
Três andares acima do térreo, a alguns lances de escada de distância, muito antes de você apalpar os bolsos em busca da chave, seu cachorro o aguarda ansioso atrás da porta. Ele sabe que você, e não o seu Zé, que recolhe o lixo do prédio todos os dias, está prestes a subir até o terceiro andar. Basta colocar o primeiro pé dentro de casa para receber a saudação calorosa do bichinho. E não importa com quem você esteja. Se chegar acompanhado com velhos ou novos amigos, ou mesmo com seu irmão gêmeo, que mora no exterior há alguns anos, ele não vai pular nas pernas erradas. Ele sabe quem é você.
Mas não sabe quem ele é. Coloque um ser humano em frente ao espelho e este animal bípede começa instintivamente a mexer no cabelo (achando que um tapinha na franja realmente vai deixá-lo mais bonito). Um cão, porém, consegue ser ainda mais bestial: a reação dele ao espelho é a mais completa indiferença. Nem uma olhadinha. Ele não reconhece a própria imagem. E se não reconhece a própria imagem, não tem aquilo que chamamos de consciência, certo? Até pouco tempo atrás, era o que a ciência achava. Animais que reconhecem a própria imagem no espelho teriam consciência - e aí entram basicamente nós, nossos primos (os grandes macacos - chimpanzé, gorila, orangotango), cetáceos e elefantes. Os bichos que não se reconhecem não teriam noção de "eu". Não teriam consciência.
Mas a verdade provavelmente é outra. O problema não está nos animais que não se reconhecem no espelho. Está em quem testa a presença de consciência sob a ótica humana. O mundo de um cachorro ou de um gato não se cria majoritariamente com imagens, como o nosso. Eles veem com sons e, principalmente, cheiros. E o espelho exclui a melhor arma de reconhecimento do cachorro: o olfato. O biólogo Marc Bekoff, da Universidade do Colorado, testou o próprio bichinho para saber se ele era capaz, de alguma forma, de se reconhecer. Em vez de testar imagens, Bekoff pensou como um cão. Durante cinco invernos, toda vez que saía para passear com o companheiro, recolhia pedaços de neve onde o cão havia feito xixi. Depois, recolhia neve com urina de outros cachorros.
Então Bekoff espalhava os blocos de neve - alguns com xixi do cachorro dele, outros com o de outros cães -por lugares diferentes. E a reação do melhor amigo do pesquisador era sempre a mesma: quando encontrava a urina de outro cão, despejava um novo jato de xixi em cima para marcar o território como dele. Normal. Mas quando encontrava um bloco com a própria urina, não dava bola. Sabia que aquele xixi já era dele, então o território não precisaria de remarcação. Resultado: o cachorro sabe muito bem quem ele é. Mas diferentemente de você, que se reconhece pela fisionomia, ele faz isso pelo cheiro.
Se o nosso mundo é rico em imagens, o dos animais domésticos, vem carregado de sons, cheiros e sensações. E qualquer coisa acompanha uma porção de informações: um poste é uma fonte rica de notícias, diz se outro animal passou por ali, quem era, e há quanto tempo isso aconteceu. Ainda é impossível aguçar nossos sentidos, entrar na pele deles e entender a riqueza de cada cheiro, som, imagem ou sabor. Mas dá para entender como eles veem o mundo e descobrir por que seus pets insistem em fazer coisas que você odeia - ou adora.
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